Gota D'água

Acervo de Paulo Jackson é doado. Legado é inspirador de lutas históricas

14/10/2019


FOTO: MANOEL PORTO

O menino que na escola recitava os versos de “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto, e “Navio Negreiro”, de Castro Alves, foi o prenúncio de quem, anos depois, se tornaria uma grande liderança política que enfrentou e venceu o poderoso “coronel” ACM. Esse foi o ex-sindicalista e ex-deputado estadual Paulo Jackson, cujo acervo foi doado à Fundação Pedro Calmon, na última quarta (9), na Biblioteca dos Barris, em ato assinado pela representante do Associação Movimento Paulo Jackson, a advogada Márcia Fagundes.

O acervo tem mais de 4,5 mil itens de material iconográfico, manuscrito, museal, impresso e sonoro. Se tem essa parte documental, muito mais está na memória de quem conviveu com ele. A documentação ficou guardada no Sindae por vários anos. 

Paulo Jackson, ex-engenheiro da Embasa, natural de Caetité, faleceu precocemente aos 47 anos em 19 de maio de 2000, num acidente de ônibus quando ia fazer palestra sobre a água no Oeste baiano. Estava ali, deputado, em plena luta contra a privatização da Embasa e enfrentando obstinadamente o velho ACM, empreitada que iniciou no Sindae, entidade da qual foi um dos fundadores, assim como o PT e a CUT na Bahia.

Viveu pouco, mas intensamente. A irmã Idalina foi quem contou do gosto dele pelos versos de Castro Alves e João Cabral, e também lembrou que ele “encabeçou” projetos importantes como os de políticas públicas de saneamento, pelo fim da Caixa Parlamentar que garantia privilegiada aposentadoria aos parlamentares, pelo uso do papel reciclável, criação do Dia Estadual da Água (22 de março), Dia Estadual da Consciência Negra, manutenção do nome 2 de Julho em nosso aeroporto etc. Outra irmã, Zalvira, falou da luta pelos quilombolas do Oeste da Bahia e na criação de dezenas de associações de pequenos produtores rurais. Hoje seu nome está num quilombo de Caetité, em escolas e ruas, inclusive em Salvador.

Antônio Emilson, ex-diretor do Sindae e integrante da Associação Movimento Paulo Jackson, que guardou o acervo, lembrou do companheiro reconhecido como o melhor deputado da Bahia e tendo dificuldade de se eleger, fazendo campanhas políticas de R$ 30 mil, contra os milionários gastos de campanhas atuais. Citou que Paulo, ao lado de outros abnegados, se empenhou na construção da Lei Nacional de Saneamento Básico (Lei 11.445/2007), hoje sendo destroçada para permitir a privatização das companhias estaduais do setor.

A deputada Maria del Carmen (PT) lembrou de uma histórica obstrução de projeto que durou 36 horas e que foi liderada por Paulo Jackson, à frente de uma diminuta bancada de oposição. O deputado Marcelino Galo falou indignado das propostas de privatização que circulam no governo baiano, atentando contra o passado de Paulo. Também presentes os deputados estaduais Rosemberg Pinto e José Raimundo, além de Robson Almeida, deputado federal, todos do PT. O ex-deputado petista Zé das Virgens foi outro presente, assim com o vereador Marcos Mendes (Psol).

Tudo isso recontado diante de dezenas de amigos e familiares, como a viúva Suzana e os filhos Daniel e André, a também irmã Zoraide, dos ex-diretores do Sindae como o próprio Emilson, Luis Primo e Dilson Araújo, do atual secretário e coordenador eleito do Sindae, Grigório Rocha, da professora da Ufba, Malu Fontes, representantes do governo estadual e uma legião de admiradores. Até o padre de Caetité, Osvaldino Barbosa, sempre avesso à solenidades, veio a Salvador fazer uma saudação ao falecido amigo: “O nome de Paulo Jackson evoca amor, luta e resistência”. Muito atenta a tudo também esteve presente a professora e historiadora Joandina de Carvalho, autora do livro “Um oposicionista na política baiana”, que resgata o belo legado de luta deixado por Paulo Jackson.

Está, assim, à disposição das atuais e futuras gerações, uma história inspiradora de luta – e que pode ser um “farol” nesses sombrios tempos em que vivemos. Paulo Jackson, sempre presente!